Bienal de Cerveira, início dos anos 80. Sou a personagem à esquerda da imagem, com cabelo à pajem. Observo o fim de uma performance. Uma artista nua deambulou por cima de um lençol, picando os dedos e usando o seu sangue. Não me perguntem o âmago da dita performance, à data limitava-me a ver e a procurar manter a boca fechada face ao espanto. Quando regresso ao presente e observo a linha do tempo, continuo a ficar muitas vezes espantado, como nos dias de hoje o campo das artes alimenta uma vaga de conceptualismo massificada, tantas vezes assente numa suposta virgindade e visão introspectiva e filosófica do mundo, do novo mundo... quando ali, na pacata vila de Cerveira, sem telemóveis, Internet e afins... já lá estavam os mesmos Joseph Beuys, Duchamps e companhia... todos diferentes, todos iguais. O mundo é um playground e a história circular.
Mein Gott... Olrik!
Meu Deus! Traduzindo para alemão esta expressão agrega um som mais dramático, teatral e gutural que aprecio particularmente: MEIN GOTT… Olrick!
A minha inusitada ligação a este pintor alemão é em primeiríssimo lugar familiar. Olrik Kohlhoff (1971) é tio dos meus dois filhos e vive em Kiel, no norte da Alemanha. Raramente nos vemos. Raramente falamos. Conheci-o há cerca de 5 anos quando nasceu a minha filha. Antes disso tinha ouvido falar apenas de Kiel como base estratégica dos submarinos alemães durante a II guerra mundial.
Ele é pintor, fala mal inglês e eu não falo alemão. Mas quando nos encontramos começamos sempre com um abraço e sorrisos. Depois… mais alguns sorrisos e abraços. Percebemos-nos pouco mas bem. A sua pintura é reveladora. Desarma. A arte tem este aspecto muito peculiar, exige trabalho, muito, mas não chega, não chega a vontade, por muito boa que seja. O que nos move a nós público para o silêncio e nos deixa ali, entre o espanto, ciúme e/ou profundo desejo de posse, são os traços de uma genialidade, de um carácter que se revela e nos petrifica, literalmente despidos de palavras.
Nem sempre o curador é bem vindo. Por vezes os autores carregam uma linguagem e uma mestria que não exige tradução. E eu sou daquelas pessoas ligadas ao meio que defendo a ideia, hoje em dia algo peregrina, que toda a “boa” arte tem em si um suporte de universalidade. Não precisamos de gostar todos e gostar de tudo, não precisamos sequer de apreciar para perceber que há ali algo que ultrapassa a mediania, que está para além do gosto, do nosso e do dos outros.
Desta intensa e crucial relação com a identidade alemã, país materno onde residem os meus filhos, tenho aprendido muito. Não, não somos todos iguais, ainda que sejamos todos semelhantes. E o Olrik tem uma forma de pintar naturalmente germânica. Sente-se. Há uma vibração própria. Há um lado escuro que é muitas vezes apresentado com humor e ironia. Há uma relação cinematográfica com o real. Por vezes uma fábula grotesca ou um mensagem subliminar. Não é difícil imaginar uma viagem directa à cadeira de Freud. Ainda que o seu real nos seja apresentado quase sempre de forma profundamente real. Há ainda uma iconografia alemã feita de cores, tons, formas, letras… não engana.
Olrik Kohlhoff é do meu ponto de vista um pintor da maior relevância. Nas minhas visitas a sua casa/atelier começo sempre por ficar espantado com a capacidade técnica, com o realismo, com a ligeireza com que trata a proporção, como ergue desenhos em paredes à escala real… sai-me sempre um som de fundo: uaauuu Mein Gott… Olrik! Mas é na segunda investida da minha percepção, depois de recuperar os sentidos, que melhor entendo a escala deste pintor. Não é uma pintura qualquer… aquela casa que me aparece rodeada de uma vegetação profunda e que se impõe tem uma identidade perturbadora, há uma negritude, uma ambivalência, um vazio que paira. Tem um profundo mistério, uma profunda solidão, cortada apenas por dois seres vivos que destoam no silêncio, negros.
Toda a pintura de Olrik fala assim. Apresenta-se muitas vezes real e entrega-se-nos numa outra dimensão. Vale a pena seguir-lhe o rastro.
A obsessão de Fernando Guerra
Num tempo em que nada resiste e perdura, os resistentes, aquilo e aqueles que se mantém fieis a um destino que parece teimar em conduzi-los sem desvios, converteram-se numa minoria. Uma raridade.
o Fernando Guerra é um fotógrafo de arquitectura, responde aos desafios através do conhecimento técnico e como especialista. Significa pois que não é nem se coloca num patamar de fotógrafo-artista. O seu trabalho vive no campo da imparcialidade. Se porventura manipula uma imagem, retirando o que considera algum excesso de realismo, fá-lo com a consciência que opera sobre um excesso, não transfere um desejo ou intenção de fazer arquitectura, não se sobrepõe ao protagonismo da obra em si e à assinatura do seu autor.
O percurso, a consistência de um percurso, é algo que me interessa particularmente como agente no campo das artes visuais, porque o tempo continua a ser o mais feroz avaliador. E hoje mais do que nunca sobrevoamos uma neblina de conceitos e imagens difusas que geram tremendos equívocos.
Na história de Fernando Guerra o céu é azul e não há lugar à dúvida: são 20 anos ininterruptos a fotografar projectos dos mais conceituados arquitectos mundiais. E se a arquitectura conquistou um estatuto e lugar de destaque como disciplina de autor, a fotografia arquitectónica precede-a e caminha ao seu lado.
Sem querer e sem o desejar, converteu-se num fotógrafo ícone. Editou mais de 1000 reportagens. Ganhou diversos prémios internacionais. Publicou livros e imagens nas principais revistas mundiais. As suas fotografias são seguidas online por dezenas de milhar de pessoas. Mas tudo isto, que não é pouco, não é de facto o centro do Fernando Guerra, nem o que me interessa no Fernando Guerra.
Fotografar é para ele uma obsessão. É neste plano que gosto de me focar. É neste ponto que conquista um plano de autor. Já não está na sua mão. É um reflexo, uma projecção natural do seu trabalho.
E nesta aparente infinita viagem do seu olhar, mais e mais precisamos de ler os registos tendo em conta que as fronteiras do nosso tempo são lugares singulares, mais e mais democráticos nas linhas ténues com que se reinventam. Fotógrafo ou autor? Ambos. Espaço público ou privado? Ambos. Grupo ou pessoa? Ambos. Arquitetura ou arquitecto? Ambos. A obsessão conduz à perfeição e a perfeição não tem cor, raça ou género… é simplesmente perfeita!
www.studiofguerra.com
JAC... I'm Back!!
Após viagem por fora, atrevo-me a pisar o risco e voltar a espreitar para dentro do palco das artes plásticas. Pouco mudou. Porque a natureza humana não se muda. Mudam os corpos e as fricções, mas a energia é a mesma. Quando se regressa pensa-se. Pensa-se sobre o que em tempos idos se pensou e passou. E passaram mais de 2 anos. JAC... I'm back! Este vai ser o meu território, o meu olhar, as minhas escolhas. Cool JAC. Esta vai ser a minha e a nossa rede, sem pé, sem limite de queda, livre e assinada.
E este primeiro post existe apenas para o JAC. O JAC dirige-nos à redenção. É substantivo. O JAC é símbolo do que eu compro no campo das artes. Tem um verbo que podemos destacar. Tem essência ainda que pueril. Tem presença e é franca. Tem o dom da tela e de escrever nela o que dificilmente sabemos ou conseguimos expressar.
Conheci o Jack literalmente no Facebook. Fui vendo. Aqui e ali surgia uma imagem. Uma pintura vibrante. Uma mão solta e corajosa. Vi em silêncio e fugi ao preconceito. Limitei-me a ver. Depois encantei-me e perguntei-lhe: quem és tu JAC? Recebi uma lufada de ar fresco do Norte, na voz, no tom e na suprema honestidade com que se apresentou. O José Augusto Castro é um pintor. Mas que raça de pintor és tu? O Justino e o Pedro Chorão responderam-me: dos bons! E vi mais e mais. O José é o JAC e o JAC é um fenómeno à espera de ser descoberto. Tem tudo. Quase tudo. Faltava-lhe o gancho do escorpião, a dança fatal da sedução, chegar perto, acariciar o curador, o crítico e entrar no apertado e esquizofrénico centro do furacão. Vai-lhe sempre faltar o aguilhão. Não é da sua natureza. Como perdem todos eles.
A simplicidade do seu voo atravessa o século XX e não se coíbe de coabitar com os signos de pintores admiráveis. Mas não se fica por aí. JAC habita aqui e agora. Tem um canto de quem tem alma autónoma. Mão própria. O JAC é uma das maiores revelações que tive o privilégio de encontrar e desvendar.
Dass Jack... I'm back!