Joana do país das maravilhas

“Quando sou boa, sou boa, quando sou má sou ainda melhor.”

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Sabe quem proferiu a famosa frase? Não foi a Joana. Não interessa para o caso. Soa bem, vem das entranhas e é um statment poderoso. Não foi a Joana mas poderia ter sido. Joana é nome de guerra. Joana são todos os artistas. Escolhi Joana porque há uma que conseguiu ser mais. Mais tudo. Mais poderosa, mais visível, mais falada, mais corporativa, mais ousada, mais activa e robusta. Simplesmente mais, mais do que todas as outras Joanas e Alices.

Joana apresentou trabalho. Fez-se notar. Lançou-se às feras nos anos 90, mas foi no raiar do novo milénio que o seu nome passou ser figura central do mercado das artes e não só. Criou ruído onde pairava um silêncio entupido. O grande circo internacional acolheu-a e de seguida aplaudiu-a. O povo lusitano rendeu-se. Os seus pares nem por isso. Continuam a juntar-se em coro, vociferam alto sobre o carácter lúdico/juvenil da obra e destilam inveja nos seus argumentos curatoriais. Não lhe perdoam, mas não lhe importa. Joana segue em frente com a sua caravana. Abre e conquista fronteiras. Criou o seu show e está perto dos Deuses do nosso tempo, a quem obedece.

O que me interessa de sobremaneira na Joana é o facto de ela saber melhor do que as outras Joanas o que custa ser artista. E esta percepção constitui em grande parte a chave mestra do seu caminho, visibilidade e sucesso. Ao ler algumas das suas entrevistas passei a conhecer melhor Joana. Fiquei seduzido. Revela inteligência, soft skills inegáveis e uma clarividência que denota o aprumo com que se moldou à realidade. O pragmatismo é uma ferramentas de trabalho.

Nos anos 90 a jovem Joana já sabia, por norma um artista aguenta-se 10 anos e 10 anos é um excelente padrão para medir o pulso. Uma grande maioria soçobra, cai e desaparece sem deixar rasto. Vão ver quantos Prémios EDP Novos Artistas subsistem e dos que subsistem, quantos desataram o cordão umbilical e seguiram? Quantos se desarmaram das mais profundas convicções e converteram-se em funcionários públicos? Ao fim de 10 anos Darwin ressuscita e descarrega no vazio geração atrás de geração. Sobram os mais fortes, os mais espertos, os mais adaptados ao meio, que por sinal é carnívoro e insaciável. E lá de quando em vez, ao dom da sobrevivência acresce o dom do talento.

Acresce também Portugal. Joana grande, pensou sobre o que se via por aqui em ponto pequeno. Os modernistas do século XX, fechados sobre o seu tempo, e as novas fronteiras a rasgarem-se, as telas a morrerem nos museus, as galerias numa encruzilhada, entre Pomar e Sarmento, os conceptualismos e os new media a extravasar, uma sociedade global e consumista numa mudança sem precedentes. Joana emancipou-se, saiu da redoma a que o meio tende a viver. Fez orelhas moucas, deixou-se de “puritanismos” e foi por ali fora. A concorrência é feroz. Joana artista virou Joana empresa, mas sempre Joana.

E sejamos claros, quantos artistas denotam o mesmo sorriso lustroso? Quantos artistas surgem ao lado de presidentes e quantos expressam publicamente o seu agradecimento ao país e ao mundo? Quantos artistas possuem peças em grandes colecções internacionais como a Pinault e a Arnault? Joana do povo. Joana a democrática. Joana a conquistadora. O seu discurso é um acto de rebelião face ao mainstream: a criação já não é um monopólio das artes plásticas. Acabou. Há arquitectos, designers, realizadores, joalheiros, costureiras… há matéria infinita sobre as mesas dos criadores.

Joana estudou. Observou o Homem contemporâneo e concluiu: vêem televisão e estão sujeitos à publicidade. Compram. São facilmente seduzidos. Os primeiros 30 segundos são vitais. Devoram tudo com base no first glimpse. É isto. Não fui eu que inventei. O nosso mundo é assim. Eu sou artista plástica, capto e traduzo um olhar sobre a realidade contemporânea. Querem lantejoulas? Aqui estão! Emocionem-se primeiro e pensem depois.

Joana é um paradoxo, ou seja, o oposto do que alguém pensa ser a verdade ou o contrário a uma opinião admitida como válida. Ou se gosta ou se odeia. Em cada gesto, peça e acção, há porventura tanto de verdade como de falso. Há tanto de singular como de banal. Há tanto de passado quanto de futuro. Mas há sempre muito e muito do tamanho do mundo de Joana. E de longe chega-nos o seu murmúrio: estamos no século XXI, meus caros, deixem Duchamp descansar em paz. Enterrem Beuys.

Para se alcançar este conjunto de feitos é preciso trabalhar arduamente. Suor, lágrimas e uma boa dose de clarividência (não é preciso sangue). Joana sabe o que custa ser artista. Há um preço, mas já não viaja sozinha. A seu lado seguem os omnipresentes colecionadores, os verdadeiros donos disto tudo, e no banco detrás os curadores, que contextualizam, fundamentam e apontam a compra. Viaja com Dior ou Gucci, com quem já desenvolveu projectos, viaja sempre com a presença de Darwin, com quem mede forças e sai sempre a ganhar.

Existe ainda a Joana feminina, Joana mulher, que se faz acompanhar da memória colectiva das avós, dos seus bordados e de Bordalo, de conceitos da portugalidade que apresenta transvestidos. Recorre à grande escala, gerando ondas de espanto. Recorre a objectos, materiais e ofícios de ontem, o que nos fixa a um imaginário sedutor e nos reverte para a nossa história e costumes. Um passado presente que exporta e vende, exaltando o patriotismo e a nação.

O seu cabinet de curiosités continua a ganhar forma e volume. É fácil criticar Joana. É difícil criticar Joana. Quando é boa, é boa, quando é má é ainda melhor.