Para lá da Paisagem

Se ao nascer dependermos exclusivamente da sorte e se não tivermos a sorte de receber o seu abraço, mais vale ter a sorte de não se nascer. No interior alentejano não há muito de nada que não seja paisagem, terra e o dia de trabalho. Para nós que chegamos de fora o silêncio impressiona pela quantidade e peso. São duas faces. O calor é tanto que seca, o que inclui as pessoas e palavras, as aldeias e as suas casas, a comida e os haveres. Foi sempre assim. Talvez aquela gente esteja habituada. Provavelmente sente-se impotente e aceita. A resignação é um desespero que se instala e corrói a vontade, venha ela na tristeza como na alegria. Na aldeia tudo é igual a todas as aldeias daquela geografia. Sai quem vai acossado pelo destino. O casario branco vive fechado sobre si e é escasso. Tão singelo para quem passa, na sua aparência simples e limpa. Revela esmero de quem lá vive, mas não o passo cansado ou a voz arrastada. Por isso as paisagens não devem ser levadas demasiado a sério, são personagens ilusórias que vivem na superfície da aparência, não revelam nem se detêm no pormenor, não conhecem a profundidade nem a realidade de quem as acompanha.

Fotografia: Mjustino