Fotografia: Mjustino

Falam em bombas nucleares e eu penso em anestesia geral. Fico com o corpo dormente a antecipar o silêncio. Tenho latente a dúvida se vamos desta para melhor. Se iremos para o purgatório porque estamos no inferno ou se iremos para o inferno porque estamos no purgatório. Sei que não estamos no céu. Não me sobra essa dúvida. Mas como somos um bando de inconscientes, enquanto não virmos o cogumelo, vamos fingir que este é um outro planeta. Entretanto a Jannis está ali de braços assentados na rua, metida numa caixa metálica à prova de empatia. Trancou-se. Chegou cedo, muito antes dos outros. Preparou um chá digestivo de erva doce e juntou uma unha de bourbon. Sentou-se como quem se senta consigo. Fez cinco segundos de silêncio antes de erguer a chávena ao nariz, depois inspirou profundamente. "Aahhh, bourbon! Nice". Sabe a conforto. Foi bebendo. Entretanto a manhã chegou. A caixa metálica está estragada. "Joséphine, uauuu, essa saia vai explodir, tu és awesome girl, love you". O rádio fala da guerra, mas não se sente o cheiro da pólvora, está longe. Mas ali ao lado está um dos seus passageiros sem destino, "Noah, outra vez a beber cerveja a esta hora. Não te vendo mais rapaz". Dêem uma caneta à Jannis e ela desenha-vos as almas e o mundo. Quase ninguém pára. Quase ninguém ouve. 'Uma água por favor. Dois dólares? Está aí!". Jannis aceita a indiferença. "Deus o ajude." Não guarda rancor. Os seus olhos foram cravados num negro profundo. São belos. A tristeza que têm são as dores de quem passa. Agora já é noite e a Jannis viu os que vão e os que voltam. A bomba ainda não explodiu. "Jannis posso tirar-te uma fotografia?". Não falou, não precisava de falar. Bastaram os olhos. Disparei, olhei e agradeci. God bless you Jannis.