Meu Deus! Traduzindo para alemão esta expressão agrega um som mais dramático, teatral e gutural que aprecio particularmente: MEIN GOTT… Olrick!
A minha inusitada ligação a este pintor alemão é em primeiríssimo lugar familiar. Olrik Kohlhoff (1971) é tio dos meus dois filhos e vive em Kiel, no norte da Alemanha. Raramente nos vemos. Raramente falamos. Conheci-o há cerca de 5 anos quando nasceu a minha filha. Antes disso tinha ouvido falar apenas de Kiel como base estratégica dos submarinos alemães durante a II guerra mundial.
Ele é pintor, fala mal inglês e eu não falo alemão. Mas quando nos encontramos começamos sempre com um abraço e sorrisos. Depois… mais alguns sorrisos e abraços. Percebemos-nos pouco mas bem. A sua pintura é reveladora. Desarma. A arte tem este aspecto muito peculiar, exige trabalho, muito, mas não chega, não chega a vontade, por muito boa que seja. O que nos move a nós público para o silêncio e nos deixa ali, entre o espanto, ciúme e/ou profundo desejo de posse, são os traços de uma genialidade, de um carácter que se revela e nos petrifica, literalmente despidos de palavras.
Nem sempre o curador é bem vindo. Por vezes os autores carregam uma linguagem e uma mestria que não exige tradução. E eu sou daquelas pessoas ligadas ao meio que defendo a ideia, hoje em dia algo peregrina, que toda a “boa” arte tem em si um suporte de universalidade. Não precisamos de gostar todos e gostar de tudo, não precisamos sequer de apreciar para perceber que há ali algo que ultrapassa a mediania, que está para além do gosto, do nosso e do dos outros.
Desta intensa e crucial relação com a identidade alemã, país materno onde residem os meus filhos, tenho aprendido muito. Não, não somos todos iguais, ainda que sejamos todos semelhantes. E o Olrik tem uma forma de pintar naturalmente germânica. Sente-se. Há uma vibração própria. Há um lado escuro que é muitas vezes apresentado com humor e ironia. Há uma relação cinematográfica com o real. Por vezes uma fábula grotesca ou um mensagem subliminar. Não é difícil imaginar uma viagem directa à cadeira de Freud. Ainda que o seu real nos seja apresentado quase sempre de forma profundamente real. Há ainda uma iconografia alemã feita de cores, tons, formas, letras… não engana.
Olrik Kohlhoff é do meu ponto de vista um pintor da maior relevância. Nas minhas visitas a sua casa/atelier começo sempre por ficar espantado com a capacidade técnica, com o realismo, com a ligeireza com que trata a proporção, como ergue desenhos em paredes à escala real… sai-me sempre um som de fundo: uaauuu Mein Gott… Olrik! Mas é na segunda investida da minha percepção, depois de recuperar os sentidos, que melhor entendo a escala deste pintor. Não é uma pintura qualquer… aquela casa que me aparece rodeada de uma vegetação profunda e que se impõe tem uma identidade perturbadora, há uma negritude, uma ambivalência, um vazio que paira. Tem um profundo mistério, uma profunda solidão, cortada apenas por dois seres vivos que destoam no silêncio, negros.
Toda a pintura de Olrik fala assim. Apresenta-se muitas vezes real e entrega-se-nos numa outra dimensão. Vale a pena seguir-lhe o rastro.