Este vídeo produzido pelo artista José Lourenço, numa colaboração com o museu Solomon R. Guggenheim, é um indicador e uma luz sobre os novos paradigmas. Giacometti ficaria seguramente surpreendido com esta forma “mágica” de se apresentar a exposição em tão ilustre museu.
O Guggenheim não é Serralves, bem sei, mas imagine-se que também ali vendem, despertam e agradam multidões. Algumas exposições atraem mais de 400 mil pessoas. Um autêntico parque de diversões para multidões ávidas de selfies e cachorros quentes. Espantoso, arrepiante, mas ao mesmo tempo tão contemporâneo, não é?
E reparem que é extremamente polémico e arriscado nos nossos dias, comentando algo que se aproxime das artes plásticas, utilizar uma palavra como esta: “divertir”… Porque diversão ainda por cima rima com multidão e a multidão é o pesadelo de qualquer “verdadeiro artista plástico” e curador. Há uma linha canônica instituída no mercado de valores que nos diz: temos de ser sérios e conceptuais. Temos de ser nicho. Chocar sim, agradar não.
Ao que parece, chocar é sinónimo de transgressão e como o mundo já é demasiado belo e a humanidade transpira compaixão, a função de qualquer bom artista plástico e curador, todos o sabemos, passa necessariamente por causar um impacto violento, se possível repulsa e dor. Aí sim, aí estamos a consumar o desígnio liberador e libertário das artes. Qualquer revista de arte contemporânea com 100 páginas, ocupa 95 delas a explicar-nos isto, pelo que não se entende como o público não acompanha e entende toda a subtileza das matérias dadas.
Voltando ao José Lourenço.
Surpreende-me e entra nas minhas graças como um fascinante “walking man”, alguém capaz de se reinventar. Reconheço-lhe a criatividade e o rigor. Conheci-o pintor nos anos 90 e como pintor, que jamais deixará de o ser, despiu-se das telas e decidiu-se por uma viagem sabática. Uma aventura de um artista num meio que cruza as artes visuais com a comunicação. Como já referi e reforço, é preciso coragem. Nos nossos dias, um qualquer movimento em falso conduz a um precipício. Pode ser o fim. O meio é cortante, não permite a mais pequena desfaçatez e não é comum a ressurreição. O movimento é tendencialmente agnóstico e lida mal com a diferença.
Mas Lourenço parece possuído por esta alegria que se foi perdendo: a de gostar de fazer, a de gostar de criar, explorar novos meios e métodos e técnicas e aprendizagens e caminhos e formas e expectativas… deixar-se surpreender, sem deixar de se vincular à sua verdade criativa. Numa outra pauta, num discurso paralelo ao da pintura, Lourenço traz-nos um sorriso fresco e anuncia uma nova era na forma de comunicar e de nos relacionarmos com a arte e o mundo.
Olhando de fora para os museus e lendo as recentes polémicas, faz todo o sentido o debate sobre o seu papel, as referências e a programação. Podemos levantar um rol de questões e dúvidas, mas o que é por demais evidente, com mais ou menos teorias, com mais ou menos lobby, com mais ou menos insurgimento, com maior ou menor largueza de espírito… é que o paradigma mudou. Mudou tudo e ninguém sabe ao certo para onde… but the man continue to walk.