Pus o céu noutro lugar

Pintar assim é um salto no vazio, uma queda absoluta e livre onde se mistura a transgressão dos códigos, a necessidade física de uma relação e o desejo que nos seduz e liberta. Este é o contexto.  JAC não pretende convencer-nos. Dirigiu-se ao céu porque é ali que se reencontra. A pintura é o meio. Precisa de se despojar e ao fazê-lo encontra uma mão que acrescenta. Depois regressa com os despojos.

Vamos por partes. Um primeiro olhar. Os desenhos são de uma simplicidade infantil. Ponto. Uma linha irregular, aparência desajeitada, uma mancha de contorno impróprio, um borrão aqui e ali, uma composição de cores inaudita, papel rude e recortado. Pequenos órfãos. Mas o conjunto forma uma irmandade. Há relações entre eles, sorriem e complementam-se. Sente-se um cheiro a casa, às pequenas referências que nos relembram a existência do quotidiano. Será este um olhar possível, verdadeiro, digno... mas primário.

Quando desejamos olhar para o céu, tudo muda. Nada, mas rigorosamente nada do que ele nos apresenta é um acaso. Parece, eu sei. Também as nossas vidas têm contornos que se parecem e são pura ilusão. O JAC não pretende convencer-vos, eu sim. Revejo-me nesta pintura, em parte porque ela nega tudo o que afirma. Desafia. Há uma ordem neste aparente caos. Sim, uma composição singular, curiosa, num mundo estafado de cânones que nos servem mas não inspiram. Aqui não temos escolha, estamos expostos a uma simplicidade infantil, a um tempo perdido que desejaríamos voltar a abraçar. Neste caso em particular, nesta pintura, a vida do pintor, ainda que desconheçam, entra por ali adentro. O que vemos é um estado puro. Tão raro, tão delicado, que conseguimos sentir a verdade.

“As pessoas não veem nas nuvens o desenho que elas têm, que não é nenhum, ou que são todos, pois a cada momento se altera. Veem aquilo por que o seu coração anseia. Não vos agrada a palavra “coração”? Escolham outra: alma, inconsciente, fantasia, a que acharem melhor. Nenhuma será a palavra adequada.” -  José Eduardo Agualusa