Ruas paralelas

O Rúben não dá conta da vida que carrega, saiu de casa com um rumo traçado, ir ao shopping comprar o que se pode, um pack de 6 minis que inclui um pack grátis de amendoim com picante, e 500 gr. de camarão de Moçambique, já cozido. Segue a pé, passo a passo por uma picada de prédios coxos. É dia de descanso. Tem tempo, decide circular entre montras antes de regressar ao ponto de partida. Baba-se com o muito que vê. Se pudesse comprava, mas está sem fundos. Não faz mal mano. A vida está cara. Sempre esteve mano. Lê os preços e vai gastando com os olhos. Interpreta na perfeição o papel que lhe foi entregue, a personagem vácua e sem segredos por detrás do biombo. Anseia? Não! Sim, chegar a casa com as minis e saltar para cima do camarão. Sorri. Por ora o passo é lento porque não há mais onde ir e o marisco, a mulher e os filhos podem esperar. Sorri. A vida segue o destino, confortavelmente sentada entre a família e os amigos, o filme, esse, passa na televisão.  

Fotografia: Mjustino

Na rua paralela o reverso do papel cenário. A lua é a mesma, mas a face é uma outra. Cada um dos interpretes emana agora uma luz vestida de glamour, todo ela altiva e sorridente. Rebate um narcisismo de excelência. É apenas uma encenação, com toda a certeza. O Salvador vai até ao seu clube de gente privada no seu descapotável onde estão os seus amigos. Tem posse e postura. Braço com pelos de ouro assente na dobra da janela, óculos esculpidos e um hálito de menta. O ronronar do desportivo dá conta da sua chegada. Como estão? A presença do Salvador enobrece a vida dos outros. Tudo é de primeira categoria. Tudo começa e assenta na sua vida. Veste uma pele de anjo colorida pelo Sol. Guia um sorriso permanente e lascivamente polido. Há esmero e perfume. Joga para ganhar. É habilidoso. Mexe nas peças com mestria. Xeque mate, o ego cobra aos bajuladores. Sorri. O carro voa. Há uma varanda sentada sobre um mar cálido à sua espera. O apetite é voraz e a mesa farta está servida. Mas hoje o Salvador vai almoçar sozinho na companhia do Salvador.

A vida é este ato contínuo de circunstâncias premeditadas, mesmo nos intervalos, quando julgamos ou queremos sair, o filme continua e precipita-se na cena seguinte. Cada um na sua sala cumpre um destino, um acaso, uma sorte ou um azar, sujeita-se a um ato falhado ou a um golpe de génio. Não é igual para todos. Só quando chega a morte. É a vida.