Fotografia: Mjustino

 Para mim é o senhor Salvador, mas sei que não tem nome próprio. Esqueceu-se ou apagou da memória. Não faço ideia. Gosto dele no silêncio solitário que lhe atravessa o olhar. Todas as tardes aparece neste jardim da cidade, cheio de árvores que se esticam para o céu. Foi aqui que o conheci, no meu silêncio. Temos esse gosto em comum. O senhor Salvador não tem hora de entrada porque não usa relógio. Também não tem hora de saída, porque ninguém o espera. Conhece vários caminhos secretos que guarda para si. Chega a cada dia, passo a passo num tempo lento. Traz a tranquilidade de quem não tem dívidas com a vida, nem guarda rancor ao tempo. O senhor Salvador só gosta daquele banco em frente ao lago das carpas. Fica ali sem fim, aconchegado no meio do vazio que o cerca, com o olhar fixo numa viagem que não posso acompanhar. Por vezes sorri, quando aterra num sonho. Está feliz lá ao longe, num sítio que é sítio nenhum. Ninguém se atreve a aproximar-se da nave espacial do senhor Salvador, mas todos sabem das suas insondáveis e gloriosas viagens.