As artes plásticas fundem-se na minha vida. Nasci em 1970. Havia pouco de tudo. A pobreza era um estado geral, o país tinha rugas profundas e uma face cinzenta. Filho de pais pintores, cresci numa casa casa com atelier e paredes coloridas, desenhadas por múltiplas mãos. Os amigos de casa eram artistas. Gostavam de encontros e de conversar. Falava-se tanto quanto se fumava, muito. Mas cheirava a liberdade. Nos jantares em que me sentei como criança convidada, havia pintores, poetas, cantores, pensadores, escultores e ilusionistas. Ali era o centro do mundo. Ali se declaravam juras e destinos, tudo vertido numa toalha de mesa, naquele papel branco de padrão rugoso que acolhia as gentes das artes, manchas de vinho e esquissos, poemas, borrões de café, desenhos, mensagens políticas e canções de uma geração libertária, vibrante. Eu olhava. Silencioso. Tudo parecia excessivo. Era excessivo. E do pouco de tudo que existia, a cor mais abundante vinha dali.

Aterravam poucos aviões. As galerias contavam-se com os dedos. Uma exposição era um acontecimento extraordinário, com gente extraordinária. Havia um novo e enorme território ligado ao corpo sensível e ao pensamento. Tudo era possível. Tudo, menos a banalidade. Cresci adulto. Observador. Habituei-me a contemplar a diversidade e os novos caminhos do indizível. Habituei-me a ficar pasmado com acontecimentos performativos. Percorri todos os territórios, mesmo os recantos inexplorados. Fui sempre um observador zeloso que rejeitou fronteiras fechadas em circunstâncias e absteve-se da censura primária, e ao fazê-lo construí uma rede tão ampla quanto fina, uma cartografia crítica que me representa.

Depois, nos primeiros anos de maturidade, mantive-me num satélite longínquo. Creditei-me como observador. Construí uma história paralela na área da comunicação. Mas fui trabalhando o olhar e procurei sempre um fio delicado no encontro das palavras. Frequentei uma escola de fotografia e cursos de escrita criativa. Nunca me senti confortável nos caminhos traçados por outros. Fugi. Até ao dia em que me convidaram para inaugurar uma galeria de arte em Lisboa. Nesse instante regressei ao meu território. Regressei com um projecto, como actor. Ao longo de 5 anos trabalhei com inúmeros artistas plásticos. Promovi encontros. Lancei autores. Apresentei inúmeras exposições. E comigo voltaram a fotografia e a escrita. Este é o meu fio de vida. A ele pertenço.