O Mário Rita é uma pessoa reservada. Um pintor que questiona o seu mundo no profundo silêncio. Fala muito pouco mas gosta de conversar. É um ser tímido mas apresenta-nos sempre um sorriso, aberto e agradecido. É discreto, sereno e misterioso. É um contador de histórias mas não o sabe. É sobretudo um contador das suas histórias, do seu interior. Mas não o sabe. Se o questionar, não admite. Sorri. Foge e deixa-nos com os seus desenhos. É assim. Talvez seja um dos artistas plásticos com quem mantenho maior proximidade. Mas de facto: não o conheço em absoluto! Sei quem é e julgo deter uma profunda intuição do que para ali vai. Mas não posso chegar a ele. Ninguém pode. Há um campo sagrado que tem de ser respeitado. Há um fardo que lhe pesa, mas não se queixa. Uma condição sublime, espiritual, que o constitui e carrega. É denso. Pinta.
A pintura é o território onde consegue respirar e conviver com a sua teoria da libertação. Ali está o palco, o cenário de uma catarse onde decorre a vida. Pintar é expressão, movimento, corpo de dança, mas também fuga e memória que se lhe impõe: a infância, os fantasmas e o divino, o espiritual, o que se quiser e puder chamar a uma relação que não se detém no corpo. Pinta. Sempre pintou, porque precisa.
Este conjunto de desenhos A3 guardados numa gaveta do seu atelier, como muitos outros, são parte e exemplo de um diário de vida, capítulos, memória gráfica. Há em todos eles um gesto profundo mas sempre inacabado. Todavia belos. A beleza da imperfeição. Uma história, um sopro, a infinita batalha entre o sagrado e profano. Uma simplicidade infantil que na sua aparência não consegue esconder uma tensão dramática. Rita tem o dom da interioridade. Nem sempre fácil, nem sempre azul. A pintura é um caminho, mas antes de mais uma necessidade de expulsão. E nas artes atrai-me o modo visceral, o conjunto de dualidades e o peso que carregam. Tudo é demasiado simples e tudo é tão complexo. Mexe. A opacidade, a densidade, a dúvida, mas também o espanto e o lado sagrado que nos entra e interroga. Os artistas como Rita estendem-nos essa ponte para uma viagem espacial, convidam-nos por gestos e obras a sobrevoar a interioridade mais absoluta.
O desenho parece ser sempre o ponto de partida para a pintura. O gesto largo e expressionista afasta-o do virtuosismo técnico. Curiosamente os seus primeiros passos foram nesse sentido. Mas logo mudou. Não precisa dele. Rita oferece-nos uma imagética propositadamente primária. Não possui um guião, apenas uma folha em branco e a vertigem de avançar. A figura humana surge na proximidade da abstracção, num jogo de equilíbrio. O resultado é extremamente poderoso, deixa-nos espantados ou inquietos ou atentos ou surpresos ou aflitos ou outra coisa qualquer que se relacione com a humanidade. É sem dúvida uma pintura de afectos num tempo em que vivemos desidratados deles. É um pintor que que me interessa também por esse lado de correlação com os destinos das emoções e anseios.
(…) Rita tem a característica muito peculiar que é combinar o exagero com a moderação, o dramatismo com a tranquilidade, o movimento com a inércia, a extroversão com a introversão, a sociedade com a solidão… Em relação ao corpóreo e material – a técnica – trata-se de uma mistura magistral de desenho e cor, massa e forma, preenchimento de espaço e vácuo, gesto e não gesto, unidade e pluralidade de composição (…) Fernando Martin Galán