Houve um momento no tempo em que perdi o medo de voar. Foi importante. Passei a viajar pelo céu em paz. E paz é o que todos procuramos, venha ela na alegria como na tristeza. Ir ali ao lado de uma nuvem a beber um somítico gin, desviando-me do destino e do medo, levou-me. Perdi aquele aperto que nos traz a sombra da morte. Perdi. Como tantas vezes. E perder foi conquistar. Passei uma fronteira difícil porque enrijecia como um morto dentro do avião. Deixei de pedir o gin do desespero, hoje aterro sóbrio. Agora fujo menos. Fico curioso quando me encontro com a possibilidade da perda. Cerro os punhos e alma. Ainda assim tenho medo dela. Teremos sempre, porque aposta vezes de mais na surpresa. Mas a idade, de tanto perder, acrescenta ganhos: a benesse da coragem. Sei bem demais o que é perder para não a confrontar. E o tempo dá-nos uma pele curtida, sentimos porventura menos mas, tal como um cego, intuímos mais, percebemos melhor a sua dimensão, desejos e caprichos. Aprendemos a pausar, até porque sabemos que a perda é um estado ambíguo com duas faces. O medo, a dor e o fim são o seu lado obscuro. Muitos ficam presos numa derrota, quebram. Mas a perda detém em si o cunho da glória, a marcha triunfante, a voz que se eleva frente ao destino ou um machado de guerra que verga o insuperável, só assim tornando possível alcançar os limites da transcendência.