Para onde vais tu, Norbu?

O mundo está cheio de aeroportos e gente que precisa urgentemente de viajar. Podemos levantar voo em cada esquina, basta um cartão com crédito, o desejo e algumas formalidades mundanas. Eu acabo de entrar num e fui atacado por uma súbita amnésia. Não me recordo onde estou. Devo preocupar-me? Não. É indiferente, este é igual ao outro. Tenho de esperar e já decidi o próximo passo, vou sentar-me a comer um pão com lascas de salmão de viveiro, fumado, que acabei de comprar num quiosque, alma gémea daquele que vi em Lisboa. A sandes é linda, tem sementes coladas na sua pele dourada, e as lascas pendem para fora, assentes numa folha verde, visivelmente fresca e suculenta, mas devidamente barrada com um molho cocktail, tal e qual a alma gémea que conheci e provei em Lisboa. Dá gosto por-lhes as mãos, a forma e o makeup fazem-me corar, são de uma sensualidade que suscita desejos. Trinco com suavidade. O sabor da expectativa é sempre melhor do que a dentada na desilusão. Não se pode dizer que sabe a mar ou a rio, traz no paladar um gosto internacional, a frescura da costa de Alesund, na Noruega, onde nadava, derreteu-se na maionese francesa. Viajar criou um mundo infinito de novas identidades. Já pouco sabe ao que sabia. Entretanto inventaram o botox, e também já ninguém se quer parecer como pareceria. Os olhos também comem. A crua verdade é que praticamente ninguém padece de comida insossa, se excluirmos a turba dos puristas. Graças aos aeroportos a pera abacate tem o visto de migrante, venceu o peso da geografia, a rudeza imprópria da sazonalidade, e faz hoje parte do cardápio do pequeno almoço da geração europeia vegan, culta e civilizada, defensora dos mais elevados padrões de sustentabilidade. O absentismo crítico, as modas, o Instagram, o destempero, a ganância e a iniquidade são vírus letais, mas quem quiser que atire a primeira pedra, que eu gosto de abacate.

O meu voo está atrasado. O aeroporto é um destilador de ansiedade. À minha frente o desfile é contínuo: famílias, corporações, cores, castas, clubes e tribos, gente e mais gente à espera de levantar céu adentro. Por aqui nada de novo. Os destinos repetem-se no ecrã gigante com a mesma monotonia mecânica que padecem 99% das vidas. Estranhamente o contentamento é generalizado, talvez porque voar alimente um sonho que vive e nos embala  até ao despertar. Esfregando as pupilas, um aeroporto é a roda oleada dos hámsteres. Terminei a sandes de salmão em boa hora. No altifalante irrompe uma voz distinta e doce a anunciar: senhoras e senhores, para todos aqueles que acreditam poder alcançar o inalcançável, dentro de momentos vai partir um avião sem destino, o seu nome é Norbu, que significa jóia. São todos nossos convidados, sendo apenas proibido perguntar: para onde voas tu, Norbu? A estupefação está estampada. Ninguém se mexe. Nem um pio, nem um passo. Eu despertei da amnésia, já sei para onde vou!

Para onde vais tu Norbu?

Fotografia: Mjustino