PRESS RELEASE

 

CARLOS CORREIA

LIVRO / BARCO / REVOLUÇÃO

18 JUN A 31 JUL 2015

 

Depois de muitas mortes anunciadas, a pintura parece hoje mais livre de toda a actividade quase inquisitorial em torno da sua existência. A pintura está aí, de boa saúde. Ponto. 

Pintura é corpo visível, palpável, e exige a presença física. Contudo,  ela tem sabido relacionar-se e chamar a si outras formas de produção não apenas de imagens, mas também de discurso crítico. Sem ter abandonado os pressupostos teóricos e práticos que assentam na sua materialidade, parece-me que, hoje em dia, estes se abrem a um amplo conjunto de possibilidades.

Um texto relativamente recente da autoria de David Joselit e sugestivamente intitulado Painting Beside Itself, cita a obra de Martin Kippenberger como o exemplo de um corpo de trabalho que, não deixando de ser pictórico, “visualiza as suas redes de exibição e distribuição”. E isto contribui para que a pintura contemporânea fique marcada por uma noção de transição que se opõe à sua tradicional condição estática e contemplativa.

Já não se trata de saber se a pintura deve falar de si ou do mundo, mas antes de saber que a pintura pode continuar a falar sobre ambos os referidos polos, com a certeza porém de que agora o faz de uma forma diferente, como se as condições de possibilidade da sua linguagem se tivessem multiplicado, de forma a aumentar a eficácia da sua circulação e disseminação para um nível compatível com a aceleração dos nossos dias. E tudo, sem deixar de ser pintura.

Posto isto, pergunto-me ainda como pode a pintura contemporânea continuar a falar de modo relevante sobre a realidade? A resposta parece-me residir precisamente nos dois polos atrás citados: olhando para si, olhando para o mundo e estendendo as condições de possibilidade da sua linguagem. Assim sendo, pergunto ainda até que ponto essas condições podem estender-se à reabilitação de um género considerado extinto (a Pintura de História), possibilitando o surgimento de algo que se poderia apelidar de uma “nova pintura de história”?

A história repete-se, as imagens também, com pequenos ajustes.

La Liberté Guidant le Peuple vs Primavera Árabe / Occupy Wall Street
Le Radeau de la Meduse vs Rotas da imigração em barcos sobrelotadas

O que une e o que separa a representação de um acontecimento mediado pela arte (as pinturas de Géricault e Delacroix, separadas do observador pela moldura imposta pelo museu) e a representação mais crua de um acontecimento mediado pelos canais noticiosos: a ilusão de que assistimos a tudo em directo, como se estivéssemos no local não é mais do que isso, uma ilusão. A separação entre acontecimento e espectador tem aqui igualmente lugar, já não através da moldura e da segurança que o museu proporciona, mas sim através do ecrã da televisão e das quatro paredes da nossa casa. 

Em LIVRO / BARCO / REVOLUÇÃO trouxe para a mesa de montagem a pintura de história, a história da pintura e fragmentos do mundo contemporâneo. Adicionei a presença do espectador. E imaginei uma história com pintura dentro.

Constance, Ahmad e o professor mais não são do que extensões que encerram (e encenam) em si questões geradas na prática e na reflexão da e sobre a pintura.  

Carlos Correia